Cavaco Silva é bem o
produto do meio em que foi criado. Nasceu e cresceu no seio de uma família da
pequena burguesia rural, num Algarve nada cosmopolita.
É o filho genuíno do
Deus, Pátria, Família, do Estado Novo e nem a formação académica, nem o mundo
que conheceu posteriormente, lhe abriram novos horizontes, ele não cresceu para
trilhar os caminhos que a inteligência e o risco de inovação a ela associado
comportam. Cavaco cresceu para subir na vida, tal como o seu pai o tinha feito,
cresceu e formou-se para aumentar o pecúlio que lhe coube em sorte e para isso
teve de estudar, porque nessa época o Algarve era o desterro.
O instrumento de
Cavaco é a esperteza, não a inteligência, a sua força é o empenho oportunista
que coloca nos seus actos. Ele não induz, antecipa apenas, as suas metas são
concretas, o seu percurso, dolorosamente linear.
Não vejamos nele um
homem de imagem reflectida, estudada ao pormenor, magnificamente representada
como a de Mário Soares, magistral intérprete do Presidente/Rei. Cavaco
apropriou-se do que lhe deram, e isso foi a imagem do homem terra a terra,
realista e vertical, de contida timidez, com uma vontade férrea, alheio aos
prazeres mundanos, a imagem de um homem do povo, de origens humildes e valores
tradicionais, sem devaneios, sem outra aspiração que não seja cumprir
abnegadamente o que dele se espera… o bom aluno.
Essa imagem pegou e
deu os seus frutos, porque os portugueses foram formados nela, porque foi ela
que durante anos a fio se vendeu nos manuais escolares, e nas fitas a preto e
branco do nosso cinema, foi a imagem do futebol e do fado, do chapéu na mão, da
modesta casinha, do jardim à beira mar plantado imune aos vícios da
modernidade.
Cavaco foi a sopa no
mel para todos os que abdicaram do seu destino, daqueles que cresceram no medo,
dos crentes de que mais vale um pássaro na mão do que dois a voar, mas foi
também a oportunidade ansiada por todos os que queriam um regresso ao passado.
Ele percebeu isso e não se fez rogado, entregou-se de corpo e alma ao seu papel
e durante uns tempos agradou a uns e a outros, aos senhores e aos servos.
Foi cumprindo o
desígnio de uns e lucrando com isso e entrementes vendia ao povo a imagem de
homem probo. Bastou-lhe não falar, não abrir sequer a boca, porque falando se
comprometeria.
Agora fala e sua
natureza emerge, porque sendo a sua carta igual à de muitos, o seu Tarot é
avesso, é produto do contrário, Cavaco é o lado lunar, a imagem sem espelho,
Cavaco é menos do que esperto. É tão-somente um produto do meio em que foi
criado, a nação de Salazar…
Muito bom!!!! Grande Miguel!
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