Avançar para o conteúdo principal

Brinca do Pernas Pró Ar



Texto para uma “brinca” protagonizada pelas crianças do
“Pernas Pró Ar” em Guadalupe no Carnaval de 2009



A todos eu cumprimento
Com afeição e respeito
Que entre gente educada
Tudo se faz a preceito
É ao senhor presidente
Que eu estendo a minha mão
Pois é ele que representa
Todos quantos aqui estão
Depois disto meus amigos
Peço-vos toda a atenção

Para que saibam quem sou
Estas palavras vos digo
Sou mestre carnavalesco
E sou também um amigo
Trouxe comigo o meu grupo
E uma história de pasmar
 Se Vª excelência quiser
E o povo autorizar
Não vos vou fazer esperar
Vamos então começar.


Mais uma vez cumprimento
A quem tão bem nos hospeda
E sendo nós gente grata
Pagamos na mesma moeda
Quero agora fazer-vos
Mais um singelo pedido
Enquanto a história decorre
Tentai manter o silêncio
Para que a possa entender
Quem é mais duro de ouvido


Temos palhaços e músicos
Porta-estandarte e actores
São crianças e adultos
Gente de muitos valores
E todos eles são só um
No desejo de agradar
E de a bom porto levar
Este nosso fundamento
Que foi feito a contento
P’ra vos levar a pensar


Com estas minhas palavras
Eu só vos quero avisar
Que em muitas coisas na vida
Não há moral a tirar
As coisas são o que são
Não há mesmo volta a dar
O que ontem se passou
Amanhã se irá passar
Está no destino do homem
Não há como o evitar


É isso que esta função
Vos tentará demonstrar
Que na doença e na guerra
O pior é começar
Porque depois de medrar
É muito difícil parar
E nem chamado à razão
Nem com a cura ali à mão
O bicho homem consegue
Limpar o seu coração


Foi isso que aconteceu
Com duas tribos vizinhas
Que sem razão aparente
Nem motivos poderosos
Começaram uma guerra
Que desgraçou muita gente
E de tanto se afincarem
Nessas lutas desleais
Os filhos guardaram o ódio
Que separou os seus pais


Tribulenta eram uns
E eram também gente calma
Plantavam o que comiam
E as suas casas faziam
Viviam lá no seu canto
E lá seus filhos cresciam
O pedaço que era seu
Era tudo o que bastava
E a quem passava vendiam
O que a sua terra dava


Os outros a triburápida
Eram em tudo diferentes
Pulavam de sítio em sítio
E pouco por lá ficavam
Se tinham fome caçavam
Se tinham sede bebiam
E tudo o que terra dava
Servia para o seu sustento
Era um povo que dizia
Ser como os filhos do vento


Vivendo à sua maneira
As duas tribos diferentes
Costumavam certos dias
Fazer troca de presentes
Uns davam peles de animais
Que antes tinham caçado
Os outros davam as coisas
Que haviam semeado
E esse comércio faziam
Sem grande palavreado


Não que fossem más pessoas
Ou não respeitassem os outros
Mas a diferença era tanta
Que muitos não entendiam
O modo de vida dos outros
E por isso ou por receio
Ou por dor de cotovelo
Foram criando rancores
E de amigo o vizinho
Viu-se por fim inimigo


Passavam de largo os lestos
Olhavam para o ar os lentos
E a sua alma enchia-se
De funestos pensamentos
Quero-os daqui para fora
Gritava o chefe de uns
Só quando as pedras falarem
Dizia o chefe dos outros
E de tal forma gritaram
Que quase os dois se pegaram


Depois disto se passar
Foram todos para casa
Foram todos combinar
Como os outros molestar
Já tinha chegado a semente
Da mais bruta insensatez
E só restava esperar
Para ver de que maneira
Aquelas duas nações
Se iriam pegar outra vez


Há quem reze para o Sol
Há quem reze para a Lua
Se uns se benzem em casa
Outros fazem-no na rua
Uns povos adoram vacas
Outros as águias-reais
Estes eram especiais
Veneravam os piolhos
Na cabeça os transportavam
E nunca por nunca os largavam


Mas numa noite sem lua
Já quando todos dormiam
Os  membros de uma tribo
De uma forma arriscada
A outra tribo invadiram
E os piolhos cataram
A cada cabeça poisada
No fofo da almofada
Isto feito regressaram
Levando o que roubaram


De manhã ao acordarem
E sem sentir na cabeça
As costumeiras picadas
As pessoas espantadas
Começaram a estranhar
E depois ao descobrir
Que tinham sido roubadas
Resolveram exigir
Os seus piolhos amados
Aos vizinhos malquistados


Foi enorme a zaragata
Com gritos e impropérios
Todos de punhos fechados
Com os olhares esgazeados
A esperar um sinal
Para começar a bater
E a briga não tardou
Diga-se em boa verdade
Pois todo o dia durou
Até lhes fugir a vontade


Todos moídos das dores
Dos murros e pontapés
Ainda assim conseguiram
Apagar com gasolina
O fogo que começaram
E sem tardar construíram
Um enorme muro branco
A separar territórios
Há quem diga com razão
Que os asnos são uns finórios


Cinquenta anos volvidos
O muro continuava
E o ódio mal resolvido
Em toda a gente habitava
Até que alguém chegou
Com um presente envenenado
Um homem vindo das sombras
Trazia consigo bombas
E as tribos lhas compraram
E logo as utilizaram


Como tinham essas armas
O melhor que arranjaram
Foi lançá-las aos vizinhos
Matar alguém não mataram
Mas nos dois campos opostos
Bastante feridos ficaram
Vergastados pela dor
Dos seus queridos trataram
E depois de tudo isto
Com mais raiva eles ficaram


Mais cem anos se passaram
E outro bandido chegou
Desta vez com espingardas
As duas tribos burlou
E o tiroteio foi tal
Que muitos se deram mal
Temendo pelos seus filhos
Viam-se mães a chorar
Nem a presença do muro
As conseguia acalmar.


Quinhentos anos correram
E nem assim se esqueceram
Dos piolhos desviados
Chegaram então traficantes
Já muito bem equipados
Suas armas lhes venderam
E eles ficaram espantados
Ao carregar num botão
Era grande a explosão
Muitos morreram coitados


Mais mil anos se passaram
Desde a grande explosão
E os traficantes voltaram
Para armar confusão
A arma que eles trouxeram
Nunca tinha sido vista
Era arma poderosa
Completamente mortal
A sua força era tal
Que toda a gente morreu


Durante anos e anos
Nada mais ali cresceu
Até que um belo dia
Uma flor apareceu
Atrás da flor veio gente
Veio gente e mais gente
E o milagre da vida
Apareceu de repente
Pois  a terra abandonada
Ficou de novo habitada


Ao ver pessoas de novo
Os traficantes voltaram
Mas aquele não era o povo
Que eles antes enganaram
Foram presos e espancados
E os seus narizes cortaram
Fugiram os meliantes
E nunca mais regressaram
Estão a pensar ainda hoje
Na lição que apanharam


Depois de tudo passar
Foi tempo de festejar
Toda a gente celebrou
A sua nova amizade
Juraram todos falar
Para todo o sempre a verdade
Proteger a liberdade
E respeitar as diferenças
E do nascer ao morrer
Viver e deixar viver.



Esta é a nossa bandeira
A bandeira do teatro
Traz consigo a liberdade
O direito de pensar
Foi tecida no amor
À arte de representar
Ela defende a justiça
E o direito a sonhar
É a razão da razão
Que existe em cada olhar


A todos aqui presentes
Só nos resta agradecer
O terem feito o favor
De nos ficar a “ouver”
Esta história singular
Que é a história do mundo
Diz que a razão pouco importa
Se o coração não sentir
Mais uma vez obrigado
Por ter ficado a assistir


Já estamos quase no fim
É a hora de pedir
E quem gostou de nos ver
Pode bem contribuir
Qualquer dinheiro que dê
Só nos irá ajudar
Não nos vai matar a fome
Nem de tal necessitamos
Apenas nos cobre os gastos
É só isso que esperamos


Este sítio ficará
Sempre na nossa memória
A partir de hoje será
História da nossa história
Com ele Sr. Presidente
Que tão bem o representa
Vª Ex.ª terá
Toda a nossa gratidão
Por nos ter permitido
Cumprir a nossa função


































































Mensagens populares deste blogue

Viva a globalização II

WILSON from Arnaud Bouquet on Vimeo . Vou postar todos os dias um video com lágrimas. Um video do absurdo e da estupidez. Um video da insanidade deste mundo que habitamos. Da esquizofrenia global. Da imensa tristeza de habitar tal espaço...

A historia da Girafa sem Pescoço

Era uma vez uma girafa, muito simpática, que morava numa enorme savana, lá bem no coração de África. Mas a nossa amiga girafa, não era completamente feliz. Tinha uma pequena mágoa sempre a roer-lhe a alma. À primeira vista ninguém conseguiria dizer que ela não era uma girafa como as outras, com o seu enorme pescoço e as manchas castanhas a cobrirem-lhe o corpo amarelado. Como as outras girafas, tinha o seu jeito desengonçado de andar e o hábito de mastigar as folhas que ia tirando das árvores. Quem a visse diria sem qualquer dúvida que ela era uma vulgar girafa, a viver a vida de todas as girafas, mas não era bem assim. Lá na savana, ao cair da noite, todos os animais se juntavam e conversavam, contavam histórias e cantavam juntos canções que iam inventando no momento, mas, a nossa amiga limitava-se a ouvi-los, porque da sua garganta não saía nem um ai. Por ter um pescoço tão grande, ela não conseguia emitir qualquer som, mesmo o mais insignificante e  era essa a causa da sua melanco