Olá meus senhores!
Sou um cidadão comum, daqueles cuja vocação é não sobressair.
Não me importa a notoriedade, não quero ser notado, quero manter a vocação anónima de tudo aparentemente me passar ao lado.
Um espectador.
Vejo tudo em torno de mim sem rebuços e sem juízos, ouço também, mas com atenção diminuída, porque as palavras são enganosas, dependem sempre de quem as profere, não de quem as escuta.
Daí tudo artificiosamente me passar ao lado, sou portanto um fingidor, vivo no aparente, fingidamente.
Não me crêem?
Então cá vai.
Nada melhor que uma história comprovadamente falsa em toda a sua verdade, testemunhada por muitos, como convém, mas apesar de tudo falsa, para provar a bondade das minhas palavras.
Quem poderá dispor da verdade nestas coisas do mundo, não é?
Dizem que não há muitos anos existiu um cidadão de grossos cabedais, que, por levar uma existência árida de solteirão se fazia convidado para todas as festas dos arredores.
Lá chegado e depois de cumprimentar os anfitriões, dirigia-se lesto à mesa dos acepipes e marcava com olho de águia as iguarias preferidas. Feito isto, ia pavonear-se junto dos restantes convidados, exibindo as suas mãos papudas recamadas de anéis de gosto duvidoso mais o alfinete de gravata onde brilhava uma pedra de descomunal tamanho, que trouxera da sua passagem pelo Brasil.
Chegada a hora do bufete, o homenzito dirigia-se célere à mesa e, proferindo impropérios, cuspia sobre o que mais lhe agradava, garantindo assim que ninguém tocaria nos objectos da sua cupidez.
O asco apoderava-se dos convivas e dos horrorizados donos da festa. Todos ficavam estupefactos, estáticos, a observar o espécime enquanto este enfardava sem dó nem piedade na comidinha exposta.
De tempos a tempos, fazia uma pausa na deglutição e encarando os restantes, afirmava, soltando perdigotos com pedaços de comida da boca atestada, que afinal se tinha equivocado, que o pitéu estava excelente e melhor seria que todos lhe seguissem o exemplo e se aproximassem da mesa...
Conseguia assim o porco, transformar o mundo em espectador forçado da sua avidez.
Eu não estava lá, mas vi...
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