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Rubi

 
            Chove. O dia declina e as pessoas, apressadas, molhadas, cruzam-se indispostas. Os sons em crescendo que as ruas libertam, anunciam a proximidade da noite.
            Com a noite ouve-se o bater dos corações. Pensou José, enquanto fazia desenhos virtuais na calçada, com a ponta semi acerada do seu guarda chuva.
            Uma folha de papel desatinava ora no ar, ora pelo chão, até que, no seu despercurso encontrou José.
            “Parábola de um Sol Excêntrico”, eram as palavras que tinha consigo, palavras já desbotadas, mas ainda legíveis.
            José tentou esboçar a parábola, mas só lhe surgia o incontornável era uma vez.
            Era uma vez um homem comum, de guarda chuva,uma paragem de autocarro e uma
mulher de ritmo bamboleante, que acabará apesar do tudo por virar a esquina que justifica a rua, pensou.
            O homem do guarda chuva poderia chamar-se José, a mulher Rubi, a paragem, essa, era apenas filha do acaso.
            De repente, urgiu-lhe a zona alta da cidade, apelo irresistível que o levou a mudar de rumo e atravessar a rua, enquanto Rubi se perdia no ângulo frio da esquina. Aceitou conformado a nudez do cenário. Encostado ao poste que sinalizava a paragem até aí deserta, retomou o desenho indefenido que o guarda chuva ajudava a criar.
O autocarro chegou e ele entrou, sentou-se, depois olhou pela janela que lhe mostrava uma cidade quase etérea, a mover-se ao sabor do ritmo lento da chuva miúda, que entretanto recomeçara e enleava tudo como se fosse um lençol transparente, húmido, a transmutar a réstea de luz numa quase claridade difusa, feita de vultos indistintos na sua timidez. Suspirou pela noite, não pela noite dormida, alheada, que esquce o mundo e se entrega aos sonhos. Suspirou pela noite lunar, pelo fascínio de despir o dia e seguir a esmo desperto, inebriado pela ausência de rumo. Apetecia-lhe desfiar o seu rosário de copos e varar o tempo, descomprometido de angústias, de solidões sózinhas, de pequeninos elos fracos a competirem na sua façanhuda pequenez, pela primazia na cadeia que nunca quereriam quebrar. Apetecia-lhe estraçalhar a alma, a sua,  a dos outros e a do mundo também.

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