Já é noite e eu deslizo pela cidade como um lobo. Talvez a minha hora tenha chegado, ou talvez não. Mas isso que importa? Que importa a hora despida de todos os momentos?
Algures, numa rua em repouso, alguém espera por mim no desconforto da incerteza, mas como eu posso chegar se não lhe cheiro o destino. Talvez por isso me limite a percorrer as ruas à espera de um acaso, do anúncio inesperado do momento, da chegada que de inevitável se transforma em porto, e a mim em marinheiro.
Navego uma cidade adormecida e sou como o gajeiro de um barco a que chamam destino. Mas a minha voz recusa-se a anunciar o que a alma pede. Não quero reencontros, já me despi das memórias, as minhas gavetas comportam apenas recordações, coisas que nunca vivi, coisas que se esgotam no meu presente.
Cruzo-me com outras pessoas, outros mundos, outras formas de olhar. São formas furtivas essas, que surgem na minha noite e logo desaparecem, antes que chegue a madrugada.
De uma viela chegam sons, sons tristes de guitarras que se desafiam em gemidos e lágrimas e eu sigo prolongando o meu próprio fado, mas as recordações, essas continuam no carrossel das suas melopeias a marcar os destempos de um percurso que ficou para trás.
São fantasmas insignificantes que foram projectados pelo tempo a proporções quase insuperáveis e a ferida, regada com sal, nunca cauteriza. É uma prisão de fuga impossível. A nossa própria fronteira.
Eis-me então navegante desencantado, ou melhor, decantado pelo acolhimento de muitas castas, que poderiam até ser culturas, se nós neste atavismo henriquino não insistíssemos em tornar pequenas as coisas que são apenas suficientes.
http://www.youtube.com/watch?v=qKG6izap6v4
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