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Cristãos na Palestina



Adel Sidarus

Uma das preocupações do recente Sínodo dos bispos do Médio Oriente em Roma, era o êxodo em massa das populações cristãs dos vários países da região e a consequente diminuição do seu número, precisamente na região que viu nascer e se desenvolver a religião inspirada pela vida e palavra de Jesus Cristo.
No Dia internacional da Palestina, cabe aqui falar dos cristãos da Terra Santa em particular.
Em 1948, na véspera da proclamação unilateral da criação do Estado de Israel, os cristãos formavam 28% da população palestina. Hoje, numa população de quase sete milhões, eles não representam mais que 2 a 3%!
Dez anos depois da data nefasta de 1948, 80% dos cristãos palestinos tinham já optado pelo exílio. Enquanto nos anos cinquenta, a população cristã de Belém se situava nos 2/3 do total, hoje já não perfaz mais de 1/3. Em Jerusalém, outrora pouco habitada por muçulmanos e judeus, mal se contabilizam hoje 12% de cristãos.
Não queria hoje demorar-me sobre este fenómeno como tal, analisar os seus mecanismos específicos e as motivações íntimas dos seus protagonistas. Gostava antes de responder a uma questão latente de muitos europeus, alimentada por uma certa propaganda israelita: perante o secular conflito israelo-palestino, essa emigração em massa não indicia uma posição cristã basicamente diferente da muçulmana!
Numa entrevista não muito velha com D. Michel Sabbah, patriarca latino emérito de Jerusalém, à questão sobre a situação dos cristãos na Palestina, respondeu que era exactamente igual para todos os árabes do país: “Cristãos ou muçulmanos, fazemos parte do mesmo povo e partilhamos a mesma cultura, a mesma história. Somos todos um povo oprimido por um outro povo. Um povo cuja terra é ocupada militarmente por um povo alheio.”
- E o que tem a dizer àqueles que defendem o choque das civilizações e das religiões?
Responde o prelado: “Há, pois, um confronto, mas ele não é nem religioso, nem cultural. É simplesmente político! O Ocidente trata o Oriente e os que nele vivem como menores. Enquanto existir essa relação entre dominante e dominado, não sairemos da espirale da violência. As raízes do terrorismo mundial estão lá. O Oriente não é dono do seu destino, é submetido à vontade e domínio ocidental.
Assim, para quem pretende estigmatizar o islão: “o problema não é o islão, mas o confronto entre o Oriente e o Ocidente (eu especificaria: dito cristão...). O colonialismo histórico (que durou cerca de dois séculos...) cedeu o lugar a um outro mais sofisticado mas não menos real.”
Esta posição global duma autoridade eclesiástica palestina, reflecte perfeitamente o que sente qualquer cristão árabe com o mínimo de sentido crítico e o distanciamento necessário em relação às dificuldades e impasses conjunturais que ele e os seus conterrâneos conhecem. De resto, encontramo-la repetida e variadamente expressa em muitas cartas pastorais emitidas pela assembleia dos patriarcas e bispos da Palestina e Israel, por ocasião p. ex. do Natal, do Ano novo (Dia mundial da Paz...) ou da Páscoa ‑ cartas de que faz eco, esporadicamente, a imprensa portuguesa.
*****
Como é que esses discursos e tomadas de posição se concretizaram no terreno ao longo dos tempos, ao longo dos mais de sessenta anos que perdura o conflito israelo-palestino, perante a indiferença da comunidade internacional?
Pouca gente saberá que os fundadores das formações mais radicais do movimento nacional palestino, o FDLP e o FPLP, eram cristãos: Nayef Hawatmeh e George Habbash respectivamente. Obviamente trata-se duma pertença ao cristianismo sociológico, pois que eles eram militantes comunistas. A esse respeito, durante décadas em Israel, era este tipo de cristãos que representava a ossatura – se me puder exprimir assim – do Partido comunista, o único partido não sionista autorizado no país!
Tudo isto demonstra bem que desde a sua origem, o conflito israelo-palestino não é religioso (judeo-muçulmano), mas verdadeiramente nacionalista, opondo colonos europeus com uma ideologia sionista racista aos habitantes de um dado território, na ocorrência um povo pluri-religioso (lembro que havia judeus palestinos árabes ou arabófonos, que foram ganhos à causa sionista e integrados mais tarde no Estado de Israel...).
Os cristãos estiveram sempre no âmago desse conflito nacionalista, laico na sua globalidade (!), contribuindo grandemente na definição da luta respectiva. Ao lado dos combatentes no terreno, encontramos universitários exilados, como o saudoso Edward Saíd, ou militantes dos direitos humanos, como Rajá Shehadeh. Não é de resto pouco relevante que o líder Yasser Arafat tenha esposado um cristã: se tivesse existido uma qualquer divergência de princípio entre cristãos e muçulmanos perante a questão nacional, isso não podia acontecer.
Hoje em dia, são cristãos os artistas e intelectuais que criticam mais radicalmente Israel – criticas objectivas à luz dos direitos humanos e do direito internacional. Mencionemos o recém-falecido romanceiro Emile Habib, o escritor Antún Shammás, os cineastas Eleyya Suleimán e Háni Abu Ássad (que vivem hoje todos no exílio), ou ainda o jornalista Antoine Shalhát que, por um motivo desconhecido, é objecto de prisão domiciliária e interdito de sair do território israelita. O mais eminente político nacionalista árabe em Israel é Azmi Bishara, também ele cristão, e que se encontra perseguido pela justiça israelita além de ser particularmente maltratado pelos seus colegas do Knesset.
Esse comprometimento resoluto dos cristãos árabes, quer em território israelita, quer em território hoje palestino, incomoda muito os sionistas israelitas. Eles procuram todos os meios para encorajá-los – para não dizer forçá-los – a irem embora: uma verdadeira limpeza étnico-religiosa (de que se passa aqui os pormenores e as estratégias...), que lhes permitiriam, de seguida, imputar esse êxodo exclusivamente às intimidações e violências perpetradas pelos muçulmanos...
Adel Sidarus
(Évora, 29 de Novembro de 2010)

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