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A liorna dos mânfios



Interrogo-me até que ponto esta encenação da democracia burguesa, que culmina com o dia de eleições e a respectiva romaria às urnas, é coisa útil nos tempos que correm?
Na embalagem vem sempre o respectivo aviso:
Recomenda-se o voto em propostas, não nas pessoas que as apresentam.
Como se isso fosse provável, ou até mesmo possível.
Num mundo construído sobre o imediato, em que a imagem é factor determinante, recomenda-se que a escolha se fundamente nas propostas apresentadas.
Sugere-se à sociedade a suprema contradição de se negar a si mesma e na hora do escrutínio, abstrair-se da televisão, das novelas, do trabalho aturado das assessorias, para votar em consciência segundo o que rezam os manifestos que ninguém lê, os programas que ninguém conhece, as ideologias que ninguém interpreta.
O candidato tal disse do seu oponente tal e tal, ao que o outro respondeu blá blá blá blá e blá blá.
Dias depois tudo se esquece, as novidades são outras, constroem-se novos efémeros, que surgem em catadupa e nós nem temos tempo de fazer a triagem do que nos cai em cima.
Talvez por isso as pequenas lutas de cidadania assumam cada vez mais importância, são a revolta útil e acessível a todos, a forma de garantir direitos, de assegurar a diferença de cada um no meio da multidão.
Uma das lutas em que me envolvi, é a manutenção do Centro de Artes Tradicionais aqui em Évora.
Pretendem a Câmara Municipal, o Turismo do Alentejo e um senhor de nome Paulo Parra acabar com ele, para instalar em espaço público a colecção de design industrial propriedade deste último.
Têm dinheiro e poder e influencia e utilizaram tudo isso numa orgia de mistificações absurdas, cujo o único fim foi relegar a verdade para um lugar inacessível, como se esta fosse agulha dissimulada em monumental palheiro.
Contaram com a colaboração deste efémero vazio que nos tolhe a razão e com a ausência da exigível transparência democrática e na prepotência dos intelectualmente desonestos que vão usando as migalhitas de poder que os seus donos lhes dispensam, lá foram conseguindo levar a água ao seu moinho.
Só que a água apenas serve se o moinho funcionar e este está muito preso pela incompetência dos seus moleiros.
Como não tinham nada para ocupar o seu precioso tempo, decidiram dar aquela que consideram, os biltres, a estocada final. Olharam em volta para descobrir o inocente mais próximo e partiram para a degola.
Despediram a funcionária do Centro de Artes Tradicionais, licenciada, com mestrado na área e que com o espaço votado ao abandono por aqueles que o querem eliminar, foi vendendo bilhetes, souvenirs, fazendo visitas guiadas, mantendo o espaço digno, enfim um rol de tarefas que não lhe incumbia, nem a formação nem o contrato.
Despediram-na alegando falta de verba, mas entretanto vão fazendo obras para albergar a colecção privada, que vai contar com técnicos de apoio, que têm outra ocupação remunerada, paga por nós, vão contratar vigilantes, já gastaram em agências de comunicação, em conferências de imprensa, em favores e regateios, verbas que desconhecemos.
É claro que têm comida na mesa e carros e gasolina para os carros e mordomias e quejandices que tal.
O que não têm é um pingo de dignidade, nem de consciência social, nem coragem para assumir os seus verdadeiros desígnios.
Não têm mau aspecto cuidam-se bem e andam cheirosos, vão falando mais ou menos e, ao fim do mês cai-lhes o dinheiro na conta.
Assim se vive por cá, por Évora que outrora foi e agora é uma caricatura do que quer que seja.
Termino com uma singela homenagem ao Poeta Aleixo:
“Sei que pareço um ladrão
Mas há muitos que eu conheço
Que não parecendo o que são
São aquilo que eu pareço”

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