Enviei esta crónica para o jornal "Registo", só que incompleta, como é óbvio publicaram apenas o que receberam... publico-a aqui, agora para rectificar o meu erro.
Consiste a homeopatia na cura através do semelhante, se temos gripe dão-nos pequenas gripes diluídas até que o organismo reaja e as suas defesas actuem, se temos uma dívida dão-nos pequenas dívidas diluídas até que a economia reaja e as suas defesas actuem.
Há quem diga que resulta, há quem diga que nem tanto, há até quem afirme que se não se morrer da doença, morrer-se-á certamente da cura.
A tecnocracia não é mais do que o governo dos técnicos, que através do controlo dos meios de produção ultrapassam o poder político, esvaziando através desse controlo a sua capacidade de decisão.
À primeira vista homeopatia e tecnocracia nada têm em comum, são mesmo mundos distintos, mas se por um funesto acaso surgisse um homeopata tecnocrata numa qualquer cidade do planeta, em Chicago por exemplo e imbuído de um espírito experimentalista, decidisse numa perspectiva tecnocrata, provar a bondade das suas crenças homeopáticas?
Primeiro iria em busca de um paciente em que pudesse aplicar as suas teorias sem constrangimentos de ordem política, um país da América do Sul por exemplo; depois estimularia a maleita, escolheria uma dívida soberana, fácil de arranjar através do patrocínio dos seus financiadores.
Com o cenário montado poderia enfim aplicar sem restrições a sua ciência. Inocularia no paciente pequenas doses de juros, que se iriam acumulando até que todas as defesas do organismo visado se concentrassem no combate a essa dívida. Chegado a este ponto constataria decerto que a vítima, perdão o paciente, perderia toda a vitalidade, que a criação de anti-corpos lhe inibiriam todas as outras funções. Chegaria então à conclusão que aumentaria a eficácia terapêutica, se incrementasse a dosagem e a prolongasse no tempo, viria assim o momento em que todas as defesas do organismo debilitado se reestruturariam de per si e recomeçariam a funcionar em pleno sem a ajuda de qualquer intervenção externa; mas para isso seria necessário expandir a dívida ao meio envolvente, exportá-la. Provocar um choque terapêutico global.
Chegado a este ponto já disporia através da venda da dívida entretanto acumulada, o suficiente para expandir a sua equipa que operaria a nível global.
Sem o saber, ou sabendo-o bem demais o homeopata tecnocrata acabaria por criar uma pandemia.
Muitos doentes morreriam inevitavelmente da cura e até mesmo a sua terra natal não conseguiria evitar este desígnio.
Se alguém se salvasse teria de recorrer a métodos tradicionais com custos terríveis e longo tempo para recuperar das maleitas provocadas.
Talvez um dia esta ficção se transforme em realidade, ou talvez não.
Como nota de rodapé digo apenas que a homeopatia não tem nada a ver com isto, apenas uma certa azia que sempre manifestei em relação à tecnocracia….
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