Estas eleições legislativas decorreram enquanto se negociou um resgate da dívida pública.
Foi assinado pelo governo ainda em exercício um manifesto de entendimento com a EU, o BCE e o FMI. Esse manifesto pela sua extensão e minúcia não poderia nunca ter sido elaborado num espaço de quinze dias apenas, já vinha de trás, para que ele fosse aceite sem grandes convulsões sociais, precipitou-se a queda de um governo moribundo e convocaram-se eleições legislativas, que mais não foram do que um plebiscito do referido memorando.
Os três partidos da direita, adoptaram-no como base do seu manifesto programático, considerando unanimemente ser o resgate inevitável para respeitar compromissos do Estado e evitar um incumprimento da dívida.
Encenaram-se reuniões com os representantes das três entidades que envolveram os três partidos e inúmeras organizações, de representantes do patronato a organizações sindicais, a figuras de peso no ensino na banca, enfim criou-se uma romaria, como se fosse possível ou viável que as sugestões feitas fossem levadas em conta.
O BE e o PCP recusaram-se a alinhar nesta dança de sombras e não receberam a “troika,” alegando as razões que acima aduzi e acrescentando que apenas o governo tinha legitimidade para negociar o acordo e que cumpriria ao governo ouvir os partidos e os parceiros sociais, até como afirmação da soberania do país.
A campanha eleitoral desenvolveu-se a partir do princípio errado de que o acordo estava feito, que era inevitável e que os temas em debate seriam sempre a forma como esse acordo seria aplicado e a credibilidade de quem se apresentava a eleições para o fazer.
Passou-se assim por cima da representatividade do Parlamento para centrar a discussão em torno da composição de um governo cuja legitimidade emana desse mesmo Parlamento. Esqueceu-se convenientemente que as eleições eram legislativas e que é a composição do hemiciclo, com mais ou menos deputados à esquerda ou à direita que determina a exequibilidade ou não do programa do executivo.
Neste contexto foi fácil à direita, apoiada pelos grupos de comunicação social, desviar o debate para questões acessórias, desresponsabilizando-se, passando o ónus da crise para questões laterais, apontando a sua solução para a intervenção dos representantes dos credores rentistas, insistindo que teria de ser o trabalho a suportar os custos do resgate, enquanto a finança teria de ser apoiada, para obstar à ruptura do sistema.
O medo de perder o pouco que se tem, ditou o resultado das eleições. Em tempo de crise as pessoas evitam a ruptura, esta só pode ser levada a cabo na rua, nas empresas, na pressão constante sobre o poder instituído, seja ele expresso, seja ele dissimulado como é o caso da banca e dos seguros, na prática representados nos aparelhos dos partidos do dito arco do poder.
O BE ignorou estes dados e desenvolveu a sua campanha como se o voto fosse apenas produto de uma decisão racional, como se as pessoas conseguissem um distanciamento suficiente que lhes permitisse ignorar angústias, medos, pontuais simpatias ou antipatias. Deveria ter recebido a troika, deveria ter tornado público o seu desacordo transmitido de viva voz aos responsáveis pela elaboração do acordo. Teria ganho outra legitimidade para sustentar as suas posições, ter-se-ia situado claramente num dos lados da barricada, não como um outsider, mas como um representante das aspirações de muitos, como a voz daqueles que sem ela, terão optado por se abster.
Porque o espaço do BE reside precisamente aí, naqueles que não se revêem nos outros partidos da esquerda. O Bloco não pode afirmar-se tirando votos ao PS, se o tentar fazer coloca a iniciativa nas mãos do seu adversário, não pode afirmar-se como um partido que existe apenas em função de uma representação parlamentar, cujas iniciativas se centrem preferencialmente no que se decide ou não em S. Bento. Não foi assim que o Bloco cresceu e foi precisamente assim que o Bloco perdeu representatividade.
Sendo um partido de causas, é um partido de protesto, um partido da rua, das pessoas, uma bandeira dos descontentes. Que mal existe em ser um partido de protesto? Será que a afirmação de um contra-poder, a defesa de uma consciência colectiva, é incompatível com a disputa parlamentar, com a expressão do eleitorado traduzida em votos? Todos sabem que o BE possui massa crítica, qualidade, capacidade de resposta, todos têm consciência de poder constituir-se o BE como alternativa às propostas ultrapassadas, extemporâneas de governação defendidas pelos outros partidos, jogar nesse terreno é apostar no passado, é retroceder e perder credibilidade, como aliás se constata destes resultados eleitorais.
A estratégia adoptada para esta campanha, desmontar a armadilha neo liberal escondida por trás do acordo com a troika foi correcta, falhou a abordagem, a comunicação das ideias chave, falhou a leitura dos factores extrínsecos, que foram determinantes.
O executivo PS, dadas as circunstâncias, seria sempre um governo a prazo, a incapacidade de controlar as contas públicas, a submissão aos ditames da UE, a declarada hostilidade e ilegítima interferência do PR, determinaram a sua sustentabilidade. A questão não era tanto saber se conseguiria aguentar-se, mas saber por quanto tempo se aguentaria. A partir de determinado momento entendeu o partido socialista tudo fazer para provocar a queda do seu próprio executivo, podendo assim transferir o ónus resultante da crise que daí adviria para os partidos da oposição. Uma Moção de Censura, a ser apresentada, só poderia sê-lo por uma força de esquerda, já que teria a utilidade de forçar uma clarificação que não era de todo conveniente à direita. O Bloco fez bem em apresentar uma Moção de Censura. O modo como o fez foi desastroso. Desde a forma como a apresentou, à maneira como a defendeu, dispensando o apoio da direita parlamentar e condenando-a desse modo ao fracasso, teve um impacto profundamente negativo na opinião pública que não se reviu nesse “modus operandi”. Esvaziou de utilidade essa Moção, reduziu posterior margem de manobra, permitiu à direita assumir uma pose de Estado que não tinha, desperdiçou-se assim uma oportunidade de centrar a discussão no nuclear que era, como continua a ser a progressiva privatização do papel do Estado.
Não é por isso de estranhar a apresentação forçadamentente descuidada do PEC IV, o que se pretendia era mesmo a dissolução da AR, com a almofada do resgate a suavizar quem quer que à direita vencesse as eleições. Creio que hoje por hoje a bondade deste argumento está mais do que provada.
Por último, sendo que os últimos são os primeiros, há que abordar as eleições presidenciais.
O apoio a Manuel Alegre revelou-se um erro de enormes proporções. Dividiu o BE e afastou do BE muitos que se tinham aproximado por verem nele uma alternativa credível aos contorcionismos partidários na busca da luz do voto.
Foi este apoio sustentado pela necessidade de integrar uma candidatura supra partidária que congregasse toda a esquerda. Na realidade o que se pretendeu, pelo menos foi essa a leitura generalizada, foi cindir o PS. Ou o PS apoiaria Alegre e ver-se-ia despojado do seu eleitorado à direita, ou não apoiaria e seria abandonado pelo seu eleitorado de esquerda, em qualquer dos casos o BE extrairia dividendos políticos como as anteriores presidenciais tinham provado, só que não foi assim.
Extraí esta imagem do Blogue “Margens de Erro,” a linha preta representa o início da queda de Manuel Alegre nas intenções de voto, a vermelho o PCP, a azul o PP, a negro o BE. Não são necessários comentários, o gráfico fala por si.
Foi precisamente a partir das presidenciais que o BE começou a cair no apreço dos eleitores.
Somando isto aos erros anteriormente apontados, o resultado não poderia ser outro.
Poderemos dizer e é justo que o façamos, que o BE foi alvo do maior ataque de que há memória, por parte do poder financeiro reflectido nos órgãos por si controlados da comunicação social, é verdade. Poderemos dizer que o medo de uma mudança mais radical foi determinante nos resultados, também é verdade. Poderemos até dizer que a viragem à direita concretizada por essa Europa fora também teve o seu peso no desfecho das eleições, sem dúvida, mas do BE depende apenas aquilo que o BE deve ou não fazer e é essa analise que aqui está em causa.
No que ao Distrito de Évora diz respeito, entendo que fizéssemos o que fizéssemos os resultados destas eleições não fugiriam nunca ao que se passou a nível nacional, veja-se por exemplo o caso de Coimbra, em que se perdeu um excelente deputado e em que tudo foi feito para o conservar…
Houve erros em Évora, condicionados pela nossa restrita implantação no distrito, talvez na escolha dos candidatos, pela excessiva colagem ao manifesto eleitoral nacional… o que é facto é que esta foi sem dúvida das mais empenhadas campanhas que o BE fez em Évora e que errando se aprende.
Existem caminhos, sim existem e estão a ser debatidos abertamente por todos os aderentes, simpatizantes, pessoas próximas do BE, as conclusões serão anunciadas.
Quanto a esta análise, só agora a torno pública, porque como é óbvio apresentei-a em primeiro lugar a quem de direito, ou seja aos meus camaradas.
Excelente análise! Concordo com praticamente tudo o que escreveu.
ResponderEliminarO BE tem que seguir o seu próprio caminho na esquerda portuguesa. Melhorar as suas organizações locais e o seu activismo social. Compreendo a necessidade de fazer pontes à esquerda, no entanto essas "alianças" necessitam de ser bastante debatidas internamente para que não sejam criadas clivagens no seio do partido como aconteceu no caso do Alegre e do Sá Fernandes.
Penso que é importante regressar em força ao activismo nas universidades, na cultura, nos sindicatos, contra a guerra, no apoio aos imigrantes, contra a precariedade, na defesa do associativismo, no apoio às cooperativas, etc, etc. São muitas as áreas onde é necessário voltar a estar mais presente em detrimento da vida parlamentar, porque a esquerda constrói-se na rua com as pessoas e não no parlamento.
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ResponderEliminarZé Miguel faço minhas as suas palavras
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