Fernando Nobre sujeitou-se a dois escrutínios para ser eleito Presidente da Assembleia da República e não o conseguiu. Não obteve sequer a totalidade dos votos da sua bancada.
Não foi uma derrota, foi a derrocada. Nobre perdeu de uma assentada a remota hipótese de afirmação política, perdeu parte substancial dos apoios ao seu negócio de família, perdeu a pouca credibilidade de que ainda dispunha.
Vem-me à memória a história do rei ludibriado pelos falsos alfaiates que lhe propuserem veste digna dos deuses, tão sublime, tão etérea, que apenas aqueles que mantivessem na alma a pureza das crianças a poderiam ver. Nada lhe vestiram, mas quer o rei, quer os súbditos, por receio do juízo dos outros, fingiam ver roupas a cobrir a nudez do monarca. Foi preciso uma criança gritar que o rei ia nu, para que se descobrisse o engodo.
Foi assim com Fernando Nobre, na ânsia de protagonismo, só se apercebeu da sua nudez tarde demais.
Passos Coelho nunca teve dúvidas, sabia ele bem demais que a eleição estaria sempre condenada ao fracasso. Afirmou a quem o quis ouvir que tinha dado a sua palavra e, para um homem honrado, a palavra dada é sempre para respeitar.
Se Nobre o tivesse querido ouvir, se não estivesse tão ausente da sua nudez, tê-lo-ia libertado do seu compromisso e Passos a contragosto teria respeitado essa decisão.
Não foi isso que aconteceu. O líder do governo pode então encenar a rábula da palavra dada, dizer que com ele o prometido é devido, que sob a sua liderança o governo assumirá os seus compromissos.
Passos Coelho não perdeu, conquistou isso sim, uma retumbante vitória. Porque a palavra dada é todo o conteúdo do seu programa de governo; o cumprimento do memorando de entendimento assinado com a troika; esse sim, o verdadeiro desígnio desta legislatura.
Assim o afirmou o Presidente da República no seu discurso de hoje, (escrevo estas palavras no dia 21) assim o sublinhou o já Primeiro-ministro no seu discurso de tomada de posse.
O que se espera deste governo é que faça cumprir o acordado, contra ventos e marés, contra tudo o que possa advir deste trágico erro… o objectivo é simples: cumprir o acordo.
Se assim não fosse, o governo seria avaliado, pelos seus objectivos, não pela sua inexperiência, os ministros seriam questionados acerca dos seus projectos, nunca pela sua idade, o Primeiro-ministro falaria do seu programa, nunca da palavra dada…
Fernando Nobre prestou de facto o seu primeiro serviço à democracia, como disse Miguel Macedo, só que o serviço foi outro; provou a todos nós como é fácil manipular um manipulador.
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