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A bem dizer

Quando eu morava na Bica tinha em casa uma janela que se debruçava no Tejo. Na outra margem habitava (ainda habita) uma representação de Cristo. Braços abertos ao mundo em simulação de boas vindas aos que entrassem na barra.
Mas tanto eu quanto ele sabíamos (ainda hoje sabemos) que não era (é) bem assim…
Gesto privado esse, útil apenas para me questionar.
“Então Miguel estás à espera de quê? Heim?”
Sempre encolhi os ombros, e ele, por lá ficava nesse desespero contido, de braços abertos, à espera…
Por vezes atrevia-me a olhá-lo de frente e resmoneava que amanhã será, hoje ainda não. Depois ia todo lampeiro à minha vidinha, sentava-me no “Esteves” com o amigo de sempre, mais o conhecido de sempre e muitos outros de sempre e conjecturávamos o apocalipse cultural, a ruptura, a verdadeira câmara clara, fidedigna, empastada e existencial, nada nos passava ao lado, tudo nos passava ao largo…
Crescemos, felizmente crescemos e as coisas da vida perderam as faces lisas dos sólidos, enrugaram-se nas nossas próprias rugas (a bem dizer).
Para mim foram os idos de Março, o suspiro de Abril. Agora que navego pelas águas tépidas do Maio maduro, a minha Janela é outra, o Messias ainda lá está, de braços abertos como sempre, mas a outra margem já não me interessa. O que eu quero é o indizível, o perfume imenso e intenso da liberdade, e quero-o de mãos abertas, com as palmas viradas ao mundo, para que nada se perca.
O que eu quero é a terceira margem.
Se calhar é por isso que vivo em Évora, na rua Ricardo Reis…

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