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O Povo é sereno


A minha madrinha Roque deu-me uma moeda de vinte e cinco tostões para ir comprar rebuçados à loja do Maurício Matias, que ficava no outro lado da rua.
Lá fui eu todo lampeiro com a pequena moeda de prata na mão fechada. Ao entrar na venda, que à época era também uma casa de vinhos e petiscos, deram em estalejar foguetes lá para os lados do Pupo. Que é que se passa, ouvi alguém perguntar. O botas caiu de uma cadeira, e está a bater a caçoleta, respondeu uma voz vibrante de alegria.
Que raio, pensei eu, então o Constantino cai da cadeira, fica às portas da morte e as pessoas põem-se a festejar, fiquei com pena do Constantino Botas, homem simpático, meu vizinho, até me contava histórias de polícias e ladrões… que gente mais desumana.
Entretanto o Maurício convidara todos os presentes para beberem um copo e, a mim ofereceu-me uma laranjada da rical, claro que me recusei a aceitá-la, jamais faria essa desfeita ao meu amigo Constantino. Mas de repente, ei-lo que aparece a dobrar a esquina, todo contente, de sorriso estampado no rosto.
-Então não foi você caiu da cadeira Sr. Constantino? Gargalhada geral.
-Não rapaz, foi o outro botas, o velho corvo, lá em Lisboa, eu ainda estou para durar, bebe lá a tua laranjada que é dia de festa, e guarda o dinheiro, que hoje sou eu quem te oferece os rebuçados.
Devia ser tramado esse velho botas, para as pessoas ficarem tão contentes com a sua triste sorte…

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