Avançar para o conteúdo principal

pensares...



Tenho cinquenta anos feitos, vividos serão centenas, sonhados, milhares.
Sou um homem translúcido. Já fui transparente, mas a vida foi-me embotando o ser e hoje, as reminiscências do que passei vão velando aos poucos aquilo que outrora já foi luminoso.
Vivo só, numa casa pequena de piso térreo, desprovida de encantos.
Não foi certamente pela casa que decidi viver aqui, no meio do campo, isolado das gentes.
O facto de viver só e de apreciar esta solidão, não me põe na categoria dos solitários. Não tenho alma de eremita nem tampouco aspiro a cortar as amarras do mundo.
Sou um territorial, estimo o meu espaço e defendo-o. Dentro deste castelo o espírito solta-se e espraia-se sem constrangimentos. Viver aqui é a minha terapêutica, a chave para a purga do acessório que as memórias destes cinquenta anos encerram. Por isso habito esta casa, no meio do campo, com um alpendre que me mostra o rio, a viajar sereno pela planície, até reencontrar o mar.
Contemplar essas memórias é revisitar o passado, abro-lhes a gaveta da alma e as recordações saem de supetão, libertas da razão, soltam aromas, imagens, toques de pele, encontros e desencontros, coisas que ficaram por dizer e por fazer, amores ocultos na penumbra do desencanto…
Existem sempre recordações por detrás da história de um homem.
Reminiscências a velar a memória. Mas são apenas filhas da lembrança.
Não são nunca um retrato fiel do que já vivemos.
Por vezes, a saudade toma conta do meu coração, nessas ocasiões, fico perdido, tamanho é o buraco que sinto na alma.
Não é que a distância me assuste, não me mete medo o caminho a percorrer, o que pesa é o reencontro, o saber que nunca nada se repete.                                                     
Não  se retoma aquilo que se abandonou, tudo muda, até nós.


Comentários

Mensagens populares deste blogue

A historia da Girafa sem Pescoço

Era uma vez uma girafa, muito simpática, que morava numa enorme savana, lá bem no coração de África. Mas a nossa amiga girafa, não era completamente feliz. Tinha uma pequena mágoa sempre a roer-lhe a alma. À primeira vista ninguém conseguiria dizer que ela não era uma girafa como as outras, com o seu enorme pescoço e as manchas castanhas a cobrirem-lhe o corpo amarelado. Como as outras girafas, tinha o seu jeito desengonçado de andar e o hábito de mastigar as folhas que ia tirando das árvores. Quem a visse diria sem qualquer dúvida que ela era uma vulgar girafa, a viver a vida de todas as girafas, mas não era bem assim. Lá na savana, ao cair da noite, todos os animais se juntavam e conversavam, contavam histórias e cantavam juntos canções que iam inventando no momento, mas, a nossa amiga limitava-se a ouvi-los, porque da sua garganta não saía nem um ai. Por ter um pescoço tão grande, ela não conseguia emitir qualquer som, mesmo o mais insignificante e  era essa a causa da sua mel...

Ali onde tudo é possível

Ali onde tudo é possível Um equilíbrio de pé ante pé numa singeleza de voo de borboleta Um córrego pelas linhas do eléctrico a desaguar no Tejo Águas de levada, sonhos, ânsias, brisas Mesmo mesmo mesmo em frente à Sé, por cima das pedras fenícias, gregas, romanas, mouras, pedras com pedacitos da pele de quem por lá andou,  ouvem-se ainda os gritos do povo a chamar a revolta. “Querem matar o Mestre! Querem matar o Mestre” E o sol a girar, a girar, no milagre anual do Fernando de Bolhões E o Cesário, o Verde E tudo, mas mesmo tudo misturado no fado Tudo a ir A misturar-se com as águas do Bugio... com as naus e as caravelas e os veleiros de três mastros a zarparem para os Brasis que em Lisboa já se fala francês... O Rei e a Carlota Joaquina e a resma de piolhos e de cortesãos empoeirados que foram com eles, mais a régia biblioteca que por lá ficou. Imagino os molhos de sertão e de samba e de escravos negros, polidos a óleo de amendoim e a talhe de chic...