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Blues


25 de Abril, 17 anos, Lisboa, Olivais
De um dia para o outro tudo mudou. Mudaram as caras do poder mesmo antes que percebesse que o poder, ele próprio, tinha mudado a sua maneira de ser.
As ruas cinzentas encheram-se de cor, tornaram-se festivas e as pessoas de sempre largaram as máscaras obscuras que lhes velavam os rostos e começaram a sorrir, as mulheres amanheceram bonitas e os homens soltaram os olhos do chão e pela primeira vez em muitos anos olharam em frente.
A Liberdade chegou na Primavera num assomo de cheiros, e cores luminosas de sabor diferente, de toque fulminante.
Ainda por cima, a Liberdade coincidiu com a minha Primavera. A partir daí só tive tempo para viver, mais nada me ocupava que não viver.
Tudo era novo, até o mundo que chegava era novo.
Depois fomos tropeçando nas rugas da indiferença e tudo se foi esbatendo, ficando de novo cinzento. Com homens e mulheres cinzentos, com crianças cobertas de manto cinzento, para que não se lhes apercebam as cores. Cópias cinzentas de cópias cinzentas que se cruzam, feias e de olhos no chão, com vergonha de serem todas cinzentas, todas cópias de cópias de si mesmas.
O poder cinzento dos homens cinzentos assim o exige.
Para eles é bom. Porque só o cinzento anula a linha do Horizonte…

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