Aproxima-se o Ano Novo, estou muito satisfeito com isso.
Um ano novinho em folha a estrear, não é um ano zero, mas apesar de tudo é novo e tudo o que é novo festeja-se.
Festeje-se então.
Há que festejar a mais que provável vitória da corrupção, do compadrio, da falta de dignidade dos senhores feudais, que governam o mundo a partir das suas torres virtuais e inacessíveis.
Há que festejar a ignorância, a estupidez dos acomodados, a cobardia dos que julgam que a última fatia que lhes cortaram do corpo foi mesmo a última e por isso vão morrendo de braços cruzados, contorcidos, mas a lamber a mão dos algozes.
Há que festejar as nossas crianças sem escola, os nossos doentes sem cuidados de saúde, os nossos reformados, os nossos pensionistas, os nossos trabalhadores precários, a nossa justiça de pacotilha.
Há que festejar a caridadezinha para que os pobres não morram de fome e de frio.
Há que festejar os cinco mil milhões de euros torrados num banco privado, as parcerias público privadas, o aumento dos impostos, a ladainha da crise para que todos contribuíram.
Há que festejar o interior desertificado, os campos de golfe, os resorts no Alqueva, as privatizações selvagens que vêm aí, dos CTT às Águas de Portugal, há que festejar a subida do preço dos transportes, a subida dos combustíveis, a subida do IVA.
Há que festejar a submissão aos especuladores, a perda de soberania, os submarinos e os carros de assalto, as assessorias, as regalias, as tropelias, as merdas que nos querem impor, porque sabem que deixamos, que deixamos tudo, porque somos simpáticos e tranquilos e andamos de cerviz dobrada.
Há que festejar um presidente, uma maioria e um governo, na rua, de braço estendido a cantar e rir e a comer bolo-rei.
Há que festejar a providência e a sabedoria dos senhores que governam este país e o mundo, porque apesar de tudo ainda nos deixam o Natal e o Ano Novo e o Carnaval e guardam apenas o resto dos dias para eles.
Bom Ano e divirtam-se bebamos espumoso e chafurdemos na merda, que assim é que está bem.
Miguel:
ResponderEliminarBom Ano para si.
Deixo-lhe "Fronteiras".
Um abraço.
Fronteiras
Nasce o ano de outro
Que morre
Em mesa de um de tudo cheia,
Borbulhante, embriagada…
A mesa do outro, cheia de nada…
O outro, no mundo todo,
No mundo todo quase, em razia,
O outro quase morre,
Ou morre mesmo todo,
Em fronteira vazia,
Cheia de lágrimas,
Seca de tudo,
Cheia de nada,
Em fronteira vazia,
No vazio do outro
De mesa vazia
Que morre
Em ano que nasce
De outro
Que morre…
Évora, 2010-12-31
J. Rodrigues Dias