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Gingle Bells

Já escrevi isto há uns tempos, mas agora que o Solstício de Inverno e as inerentes festividades estão aí à porta:

Eu gosto muito do dinheiro, mas não é ele que me faz falta.
Faltam-me as coisas que ele pode pagar.
Comida na mesa, roupa no corpo, um tecto…
Não incomoda trabalhar, fazendo aquilo que não se gosta, se por via disso se conseguir ter o que é preciso para viver, e já agora mais umas coisitas que nos façam felizes, que dêem algum sentido à vida.
Até acho que tudo o que é verdadeiramente importante não tem preço.
Vejo mesmo, com a minha percepção de raios X, o ridículo que se esconde por detrás de muitas máscaras de sucesso dito económico.
Mas que digo eu?
Ridículo?
Antes trágico, tragicomédia encenada no vazio de muitas vidas aparentemente felizes.
No princípio era a troca: quatro gansos por um porco.
Pouco prático; o melhor é atribuir valor às coisas, acabar com as trocas e atribuir valor simbólico às conchas, são tão bonitas as conchas, ou ao sal, ou ao ouro…
Porque não o Ouro.
Esperteza!
Houve logo uns mariolas a apropriar-se das minas, ficaram tão ocupados a pesar o ouro que extraíam, que tiveram que contratar alguém para a picareta…
Pagavam em sal ou em bronze, ou em géneros claro.
Veio a moeda, o papel-moeda e, agora, que os tempos são outros o plástico!!!!
O dinheiro virtual.
Que bom, que felicidade.
A bem dizer, não há dinheiro, atribui-se um valor ao cidadão, certificado pelas companhias creditárias.
Está o baile armado, ou melhor, armadilhado. Se antes se podia ir ao bolso e sacar de um molho de notas para mostrar como se era importante, agora vai-se ao bolso e saca-se de um cartão. A cor determina o estatuto económico do cidadão em causa, platina, ouro e por aí abaixo, o número de cartões também não é despiciendo.
Há um pequeno problema; os cartões são atribuídos pelos bancos, quem não tem conta, porque não quer, ou porque os ditos bancos não deixam, é excluído do sistema.
Na Índia eram chamados de intocáveis, no Ocidente são mais conhecidos por sem abrigo. Estes estorvos a uma sociedade de sucesso deixaram de existir, sem se ter de gastar um tostão na sua eliminação.
Como diria um comentador conhecido:
Então, os sem abrigo existem?
Não, não existem.
Mas existem sem abrigo?
Sim existem.
Os que vivem fora do sistema, assumem uma função específica, ao mesmo tempo de aviso (cuidado, não estás livre disto) e de consolo. (afinal de contas há outros pior do que eu)
Isto é bom, porque centra tudo em torno do quanto se tem ou ganha, e do que se pode adquirir com isso.
Seria lógico que a mera subsistência estivesse assegurada para todos, independentemente do lugar que ocupam na “escala social”, não é isso que acontece, mesmo muitos dos que têm emprego, não conseguem atingir o patamar de uma existência digna. Já outros independentemente do que produzem auferem vencimentos muito acima do expectável. Tanto maiores são essas vencimentos quanto aqueles que os ganham, trabalham em áreas meramente especulativas, que são precisamente aquelas que sustentam o sistema.
Na realidade, o que a maioria das pessoas pretende é a possibilidade de se realizarem, de cumprirem os seus sonhos, os seus objectivos.
Só que, vá-se lá saber porquê, esse desiderato em vez de depender dos próprios, depende da capacidade que se tem de ser funcional, de manter o actual paradigma que faz do intermediário o cimento da estrutura social.
Altere-se o paradigma, alterem-se as relações de poder existentes, e os desníveis existentes desvanecem-se. O salário dos “boys” não espanta, é directamente proporcional à sua utilidade para que tudo se mantenha na mesma.
São os escravos em comandita dos senhores sem rosto. Abdicam da dignidade por muitos pratos de lentilhas.

Comentários

  1. É verdade, sempre um excelente observador! Não sei se choro ou se rio, lá diria o povo. Eu cá vou indo, como escreves, a fazer algo que há vezes (e não têm sido poucas) não gosto, mas que me proporcionam usar roupas, ter comida na mesa, contas dos serviços e renda paga a horas...e, também, aquelas coisitas que realmente não fazem falta, mas lá dão mais um aconchego à vida. Por isso, por mais que me apeteça por vezes chorar com tanta pouca-vergonha à la Boy, prefiro achar motivo ou ângulo para rir, ou sorrir (se bem que possa ser amarelo, o sorriso). Afinal, também eu vivo do sal de um qualquer Titus. Lentilhas, também gostava, mas a troco da dignidade não...fico-me pelo sal.

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