Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou não sabe da arte.
Estou convencido que esta máxima ficaria a matar no frontispício do edifício sede da ONU em Nova Iorque e deveria mesmo constar da capa dos inúmeros dossiês em mãos de tão prestimosa organização.
Só assim se compreende que num mundo de abundância, em que existem limites à produção de géneros alimentícios, em que a evolução do saber, os avanços tecnológicos, a arquitectura de uma sociedade global, progridem a ritmo vertiginoso, apenas uma ínfima parte da população viva acima de um patamar que possa ser considerado de conforto.
Na verdade é a desajustada distribuição da riqueza, com as desigualdades que provoca, que está na base desta crise planetária que se manifesta nas mais distintas formas consoante o contexto, mas que redunda invariavelmente em violência e repressão.
Constroem-se autenticas muralhas em torno de estados e continentes mais ricos para impedir a imigração, lançam-se discursos redondos, circulares, em torno da defesa de pretensos valores civilizacionais, quiçá para aliviar a má consciência dos tempos coloniais, fala-se em democracia, como se ela fosse sinónimo de liberdade, ou como se alguém pudesse alguma vez ser democrata de barriga vazia, lançam-se programas de cooperação e campanhas de solidariedade mais para encher o olho dos incautos, do que para se conseguirem resultados e aparentemente fica tudo bem.
Mas não fica. Na verdade o Haiti continua destruído, a África subsaariana continua a ter milhões de mortes em consequência da sida, por exemplo, os países asiáticos, muito deles democracias segundo os padrões ocidentais, continuam a ter mão de obra infantil escravizada, cidades inteiras que funcionam como autênticos bordéis, para turistas mais ou menos abastados… o que se passa a realidade crua, pura e dura, é que o mundo cresce em desigualdades, em assimetrias, o mundo com esta globalização financeira, transforma-se num quintal de alguns, muito poucos e no inferno dos restantes.
Não é pois de surpreender o recrudescimento de acções terroristas, de fanatismos religiosos, eles são consequência da revolta dos que nada têm e que vêem todos os dias a propaganda das sociedades de abundância, que assistem quotidianamente à exposição de um estilo de vida que não poderão nunca reclamar para si de forma pacífica.
O Ocidente o que faz? Apoia ditadores, porque estes sustêm dentro das suas fronteiras a revolta dos deserdados, apoia-os e negoceia com eles e com eles divide os lucros do saque. Se esses ditadores caem, escolhe outros, coloca-os no lugar conveniente e continua o roubo, impávido, como se nada se tivesse passado.
Só que as muralhas começam a ruir e as sociedades assépticas que o capitalismo inventou, tremem pela raiz e esboroam-se elas próprias numa crise, cuja única solução passa pela eliminação das desigualdades e dos preconceitos que o medo gera, porque se as muralhas impedem que os outros entrem, também evitam que se veja aquilo que acontece do lado de lá.
As muralhas caem sempre com estrondo.
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