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Os amigos, as livrarias, as barbearias e a espera de melhores dias.




Todos temos amigos. A vida é uma aventura a termo incerto e embarcados nela, necessitamos sempre de uma forma ou outra, da nossa Ítaca, essa ilha de conforto em que reganhamos força, ou então em que criamos lastro para afrontar futuras tempestades.
Os amigos são Ítacas, várias Ítacas, arquipélagos.
Por vezes, quando converso comigo, invoco entre sorrisos os meus amigos, o que me aproxima deles, o que com eles vivi ou gostaria ainda de viver… rio-me a bandeiras despregadas com a total ausência de razão que determina a não escolha dessa amizade; porque não se escolhem amizades, nem se lhes confere o tempo dos relógios. As amizades vivem-se apenas.
Quando tal acontece nasce-me a vontade de expor esse mapa ao mundo, a urgência de revelar o caminho que partilho com alguém.
É o caso do meu amigo Bento, o livreiro com alma de barbeiro.
Livreiro porque vende livros, tem uma livraria; mas para ele uma livraria só funciona se tiver sempre um lugar disponível para uma boa conversa.
Conversa de conversar, entenda-se… do tempo, da vida, das causas e das coisas e das causas das coisas, tudo sempre com os livros por testemunhas, biblos sagrados do entendimento entre as gentes.
O Bento gosta de conversar e às vezes até usa as palavras como tesouras e procura argumentos afiados como navalhas, corta e recorta e nesse afã parece um barbeiro de ideias e de palavras e os livros à sua volta riem-se como penteados e bigodes retorcidos com cheiro de laca e de perfume.
 O meu amigo Bento só tem uma causa que se chama liberdade e gosta tanto dela que a partilha e quando a partilha mais ela cresce. Às vezes cede a sua livraria para que os que precisam de dar voz a uma causa, ou germinar uma ideia, ou anunciar um projecto, tenham um espaço que os acolha, cede a livraria e não pede nada em troca, apenas exige que se respeite essa santa ideia de Liberdade, da sua e dos outros.
Se alguém lhe pede um favor ele remove montanhas para ajudar e ajuda sempre.
Mas o Bento precisa de comer, precisa de vender livros… por vezes é complicado porque de tanto pensar nos outros, se esquece de si…
Por isso vos aconselho, quando quiserem comprar um livro vão à livraria, ou barbearia do Bento, a vida agradece e vão de certeza encontrar Ítaca, perdida no meio deste mar confuso e agreste que é um sinal dos tempos que vamos vivendo…

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