Quando alguém bem intencionado, se envolve na política, fá-lo com a vontade genuína de contribuir para a melhoria das condições de vida dos seus concidadãos.
A motivação nasce sempre da proximidade, daquilo que se vê e não se entende, do sofrimento com que quotidianamente se cruza. Mas depois, bem… depois, confrontado com a lide partidária ou associativa; entende que tem de negociar, delinear estratégias mais ou menos complicadas, estabelecer metas graduais e acaba por se desligar, aos poucos, do que inicialmente o estimulou.
As pessoas passam a ser multidões e as multidões números, dados estatísticos, uma floresta.
É assim. Alguém tem de cuidar da orgânica das coisas, dar sentido colectivo às múltiplas pulsões.
Essa é uma prática difícil, porque os perigos são muitos e de diversas cambiantes. Se não existir controlo, o que é justiça rapidamente se transforma em favor, o que é autenticidade facilmente degenera em demagogia e se o fim proposto é o único objectivo e qualquer forma de o atingir justificável, deixa de existir ética. Só que sem ética não há política, apenas jogo.
Por isso mesmo a democracia prospera, porque em democracia o poder é mandatado e fiscalizado e escrutinado. Em democracia a transparência é um imperativo e se funcionar sem restrições, todas as derivas são corrigidas, os riscos eliminados. Daí a máxima que em política tudo o que parece, é.
O que aconteceu com o anúncio da Moção de Censura a apresentar pelo BE no Parlamento é um exemplo disso mesmo.
Num país em que o Governo, em lugar de zelar pelos direitos daqueles que mais necessitam ser defendidos, em que o desemprego aumenta, a precariedade aumenta, os direitos sociais são alvo de constantes ataques, as desigualdades crescem, a corrupção grassa; num país quase à deriva, entregue aos ataques dos especuladores, sem investimento no sector produtivo, com uma política de cortes cegos e de taxações absurdas, uma Moção de Censura, é um instrumento incontornável na discussão dos problemas, na separação das águas.
Mesmo que não aprovada, ela refreia o governo, abre a porta a alternativas e se bem fundamentada, impõe a transparência no debate parlamentar.
Talvez por isso fosse importante o modo como foi apresentada, o contexto em que esse anúncio foi feito.
Não tanto pela antecipação de um mês, nem tampouco pela hipotética abertura do corredor do poder à direita, visto ela ter o franchising desde 75.
Se a Moção for aprovada o país não vai parar, os juros da dívida continuarão a aumentar exactamente da mesma forma e na mesma medida que aumentarão se a moção for rejeitada.
A greve geral já lá vai, a grande manifestação já se perdeu nas brumas da memória e nada mudou, é necessário um abanão e esta proposta do Bloco veio fazê-lo.
O que não se entende, pelo menos eu não entendo, é o emaranhado de contradições em que a direcção do Bloco se deixou enlear. No mínimo, depois das declarações feitas acerca da intenção do PCP apresentar uma moção de Censura, depois de afirmar ser o voto do PPD/PSD dispensável, depois de uma reunião da Mesa, seria exigível um maior cuidado na abordagem feita.
Apesar de tudo é salutar a discussão quer dentro do Bloco, quer na esquerda, que não se esgota nas duas forças políticas mais representativas, que este anuncio desencadeou.
A bola está agora nas mãos da ala direita do centrão e eles como de costume não sabem o que fazer com ela.
Só por isso...
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